Terapia Cetogênica na Neuropsiquiatria: Como a Cetose Pode Transformar o Cérebro

Transtornos neuropsiquiátricos como depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, ansiedade, doença de Alzheimer e transtorno do espectro autista estão entre as principais causas de deficiências no mundo. Esses transtornos não impactam apenas a saúde mental, mas também estão associadas a um risco aumentado de doenças físicas crônicas, redução da expectativa de vida e elevação significativa  de custos financeiros. Os tratamentos tradicionais, muitas vezes farmacológicos, podem ser limitados por efeitos colaterais, custos elevados e eficácia variável. Nos últimos anos, pesquisadores começaram a explorar o potencial de intervenções dietéticas, mais notavelmente a cetogênica, como uma abordagem não farmacológica para tratar uma ampla gama de transtornos mentais.

É isso que o artigo “The Ketogenic Diet as a Transdiagnostic Treatment for Neuropsychiatric Disorders: Mechanisms and Clinical Outcomes” (A Dieta Cetogênica: Uma Promissora Terapia Trans-diagnóstica para Transtornos Neuropsiquiátricos), publicado em outubro de 2024, explora com clareza. Vou destacar aqui vários pontos interessantes do artigo que demonstram o porquê da terapia cetogênica ser uma excelente forma de melhorar sua saúde mental de forma natural, com efeitos colaterais leves que podem ser solucionados com pequenas alterações na composição de uma dieta elaborada especificamente para o seu caso. 

Por Que Considerar a Dieta Cetogênica para a Saúde Mental?

Pesquisas recentes identificaram vários mecanismos biológicos comuns entre vários transtornos neuropsiquiátricos. Esses mecanismos incluem disfunção mitocondrial, estresse oxidativo, inflamação, hipometabolismo da glicose e desequilíbrio de neurotransmissores como glutamato e GABA. A terapia cetogênica parece influenciar positivamente todos esses mecanismos. Observem a figura abaixo: 

Diagrama dos mecanismos comuns em transtornos neuropsiquiátricos, como disfunção mitocondrial, inflamação, estresse oxidativo e hipometabolismo da glicose, e os efeitos positivos da dieta cetogênica nesses processos

As mitocôndrias são as usinas de energia das células, e sua disfunção está ligada a condições como autismo, depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia e Alzheimer. A terapia cetogênica pode melhorar a saúde mitocondrial ao fornecer uma fonte alternativa de energia, estimular a criação de novas mitocôndrias e assim melhorando a atividade mitocondrial geral.

Muitos transtornos psiquiátricos são agora reconhecidos como neuroprogressivos, com declínio neuroanatômico e cognitivo contínuo, frequentemente acompanhados por estresse oxidativo. Os corpos cetônicos produzidos durante a cetose atuam como antioxidantes e melhoram o estado redox celular (transferência de elétrons).

A inflamação crônica é um fator bem documentado em distúrbios mentais e demência. Meta-análises mostram que a terapia cetogênica pode reduzir marcadores inflamatórios como o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α) e a interleucina-6 (IL-6).

A redução do metabolismo da glicose no cérebro é observada em doenças como Alzheimer, esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão. A terapia cetogênica fornece corpos cetônicos como uma fonte de energia alternativa, potencialmente contornando o metabolismo de glicose comprometido.

Desequilíbrios nos neurotransmissores excitatórios (glutamato) e inibitórios (GABA) estão implicados em epilepsia, psicose, transtornos de humor e autismo. A terapia cetogênica pode ajudar a restaurar esse equilíbrio, aumentando a produção de GABA.

Evidências Clínicas: O Que os Estudos Mostram?

O artigo analisa uma ampla gama de ensaios clínicos, relatos de caso e análises retrospectivas que examinam a terapia cetogênica como tratamento para diversos transtornos psiquiátricos. Aqui estão algumas das principais descobertas:

Pelo menos oito publicações, incluindo relatos de casos e ensaios clínicos, exploraram a terapia cetogênica em esquizofrenia e transtorno esquizoafetivo. A maioria dos pacientes mostrou melhorias significativas nos sintomas psiquiátricos, com alguns vivenciando remissão completa mesmo após a interrupção dos antipsicóticos. Por exemplo, um estudo relatou uma melhoria de 45,4% nos escores PANSS e 74,7% nos escores de depressão entre pacientes com transtorno esquizoafetivo.

Sete publicações, incluindo ensaios clínicos e estudos observacionais, apoiam a eficácia da terapia cetogênica na redução dos sintomas de ansiedade, depressão, mania e déficits cognitivos em transtorno bipolar. Em um ensaio, 91% das leituras de corpos cetônicos indicaram cetose nutricional, e os eventos adversos foram leves e transitórios.

Quinze publicações envolvendo mais de 1.000 participantes descobriram que a terapia cetogênica melhorou as medidas de depressão e ansiedade na maioria dos casos. Alguns pacientes alcançaram remissão completa dos sintomas em poucas semanas.

Doze estudos envolvendo mais de 400 pacientes mostraram que intervenções cetogênicas levaram a melhoras cognitivas na doença de Alzheimer e no comprometimento cognitivo leve. As melhorias foram observadas em memória, atenção e funcionamento diário, com alguns estudos mostrando uma correlação entre níveis mais altos de corpos cetônicos e maiores ganhos cognitivos.

Seis estudos com crianças com transtorno do espectro autista relataram melhorias mensuráveis na gravidade do TEA, funcionamento diário e escores cognitivos após vários meses de terapia cetogênica.

Evidências preliminares também apoiam os benefícios da terapia cetogênica para distúrbios somáticos como fibromialgia, transtornos alimentares (incluindo compulsão alimentar e anorexia nervosa) e transtorno do uso de álcool. Em transtornos de uso de álcool, a dieta reduziu os sintomas de abstinência e cravings.

Segurança e Tolerabilidade

Em geral, a terapia cetogênica foi segura e bem tolerada nos estudos revisados. A maioria dos efeitos colaterais, como dores de cabeça, desconforto gastrointestinal e “gripe cetogênica”, foram leves e se resolveram nas primeiras semanas. A cetogênica também pode permitir reduções na medicação psicotrópica, melhorando ainda mais a tolerabilidade.

Limitações e Direções Futuras

Embora os resultados sejam promissores, muitos estudos são de pequeno porte ou baseados em relatos de caso, o que dificulta a prescrição da terapia cetogênica como um tratamento viável por médicos e nutricionistas convencionalis. A adesão à dieta pode ser desafiadora, por isso é muito importante o acompanhamento por um nutricionista para monitorar deficiências nutricionais e de um médico para gerenciar medicamentos.

A terapia cetogênica representa uma abordagem terapêutica não farmacológica para uma ampla gama de transtornos neuropsiquiátricos. Ao visar mecanismos biológicos comuns, ela tem o potencial de melhorar os sintomas em várias categorias diagnósticas, reduzir a dependência de medicamentos e melhorar a qualidade de vida. À medida que as pesquisas continuam, a terapia cetogênica pode se tornar uma ferramenta importante no gerenciamento holístico da saúde mental.

Referência:

Anderson, J., Ozan, E., Chouinard, V., Grant, G., MacDonald, A., Thakkar, L., & Palmer, C. The Ketogenic Diet as a Transdiagnostic Treatment for Neuropsychiatric Disorders: Mechanisms and Clinical Outcomes. Current Treatment Options in Psychiatry. 2024 https://doi.org/10.1007/s40501-024-00339-4.